terça-feira, 25 de março de 2008

O primeiro vôo de Santos=Dumont

"Guardo uma recordação indelével das deliciosas sensações de minha primeira tentativa aérea. Cheguei cedo ao parque de aerostação de Vau-girard, a fim de não perder nenhum dos preparativos.

O balão, de uma capacidade de setecentos e cinqüenta metros cúbicos, jazia estendido sobre a grama.
A uma ordem do Sr.Lachambre, os operários começaram a enchê-lo de gás.E em pouco a massa informe começou a se transformar numa vasta esfera.Às 11 horas os preparativos estavam terminados. Uma brisa fresca acariciava a barquinha, que se balançava suavemente sobre o chão.

A um dos cantos dela,com um saco de lastro na mão, eu aguar-dava com impaciência o momento da partida. Do outro, o Sr. Machuron gritou:- Lâchez tout! No mesmo instante, o vento deixou de soprar. Era como se o ar em volta de nós se tivesse imobilizado. É que havíamos partido, e a corrente de ar que atravessávamos nos comunicava sua própria velocidade. Eis o primeiro grande fato que se observa quando se sobe num balão esférico. Esse movimento imperceptível de marcha possui um sabor infinitamente agradável.

A ilusão é absoluta. Acreditar-se-ia, não que é o balão que se move, mas é a terra que foge dele e se abaixa. No fundo de um abismo que se cavava sob nós,a mil e quinhentos metros, a terra, em lugar de parecer redonda como uma bola,apresentava a forma côncava de uma tigela, por efeito de um fenômeno de refração que faz o círculo do horizonte elevar-se continuamente aos olhos do aeronauta.Aldeias e bosques, prados e castelos desfilavam como quadros movediços em cima dos quais os apitos das locomotivas desferiam notas agudas e longínquas. Com os latidos dos cães, eram os únicos sons que chegavam ao alto.

A voz humana não vai a essas solidões sem limites.As pessoas apresentavam o aspecto de formigas caminhando sobre linhas brancas, as estradas; as filas de casas assemelhavam-se a brinquedos de crianças.A sombra assim produzida (por uma nuvem que encobriu o sol) provocou um esfriamento do gás do balão que, murchando, começou a descer, a princípio lentamente, depois com velocidade cada vez maior. Para reagir, deitamos lastro fora.

S=D "Sobre esse fundo de alvura imaculada, (acima da camada de nuvens) o sol projetava a sombra do balão; e nossos perfis,fantasticamente aumentados, desenhavam-se no centro de um triplo arco-íris".
Sobre esse fundo de alvura imaculada, (acima da camada de nuvens) o sol projetava a sombra do balão; e nossos perfis,fantasticamente aumentados, desenhavam-se no centro de um triplo arco-íris.
S=D "jatos irisados de vapor gelado, comparáveis a grandes feixes de fogos de artifício".

[um almoço com ovos duros,vitela e frangos frios, queijo, gelo, frutos,doces e regado a champanhe, café e licor] jatos irisados de vapor gelado, comparáveis a grandes feixes de fogos de artifício.
S=D "Por instantes os flocos formavam-se, espontâneos, sob os nossos olhos, mesmo nos nossos corpos".
O calor do sol, pondo as nuvens em ebulição, fazia-as lançar em derredor de nossa mesa
A neve, como que por obra de um milagre,espargia-se em todos os sentidos, em lindas e minúsculas palhetas brancas. Por instantes os flocos formavam-se, espontâneos, sob os nossos olhos, mesmo nos nossos corpos. Acabava eu de beber um cálice de licor quando uma cortina desceu subitamente sobre esse admirável cenário de sol,nuvens e céu azul. O barômetro elevou-se rapidamente cinco milímetros, indicando brusca ruptura do equilíbrio e uma descida precipitada. O balão devia ter se sobrecarregado de muitos quilos de neve; caía como uma nuvem. A neblina nos envolveu em uma obscuridade quase completa. Distinguíamos ainda a barquinha, nossos instrumentos, as partes mais próximas do cordame. Mas a rede que nos prendia ao balão não era mais visível senão até certa altura; e o balão, ele próprio, desaparecera.Experimentamos assim, e por instantes, a singular sensação de estarmos suspensos no vácuo, sem nenhuma sustentação, como se houvéssemos perdido nosso último grama de gravidade e nos achássemos prisioneiros do nada opaco.

Após alguns minutos de uma queda que amortecemos soltando lastro, vimo-nos abaixo das nuvens, a uma distância de cerca de 300 metros do solo. A nuvem que provocara a nossa descida era prenúncio de uma mudança de tempo. Pequenas rajadas começavam a impelir o balão da direita para a esquerda e de cima para baixo. De espaço a espaço o guiderope - umagrande corda de uns 100 metros de comprido, que flutuava fora da barquinha, - tocava no chão. A barquinha não tardou por sua vez a roçar as copas das árvores.O que se denomina fazer o guide-rope apresentou-se-me assim em condições particularmente instrutivas. Tínhamos ao alcance da mão um saco de lastro: se um obstáculo qualquer se apresentasse no caminho soltávamos alguns punhados de areia; o balão subiria um pouco e a dificuldade seria vencida. Mais de 50 metros do cabo arrastavam-se já pelo chão. Não era preciso tanto para nos mantermos em equilíbrio a uma altitude inferior a 100metros, pois havíamos decidido não exceder disso até o fim da viagem.Durante um quarto de hora fomos sacudidos como um cesto de legumes e só nos libertamos aliviando um pouco de lastro. O balão deu então um pulo terrível e foi como uma bala furar as nuvens.Estávamos ameaçados de atingir alturas que depois nos podiam ser perigosas para a descida, dada a pequena provisão de lastro de que já dispúnhamos. Era tempo de recorrer a meios mais eficazes: abrir a válvula de manobra para que o gás escapasse. Foi obra dum minuto. O balão retomou a descida e o guide-rope tocou de novo o solo.Não nos restava senão dar por encerrada aí a excursão; a areia estava quase toda esgotada. O local de aterrisagem pertencia ao parque do castelo de La Ferrière, propriedade do sr. Alphonse de Rothschild. "
Saiba mais sobre o trabalho de pesquisa de Luiz Pagano para compor esta matéria do blog

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